Filipa César
Bibliotera, 2022
Livros, estantes
Este projeto de curadoria coletiva é uma biblioteca em construção que, de Coimbra, segue para Malafo, na Guiné-Bissau, onde será acolhida pela Abotcha Mediateca. Os livros, em permanente catalogação e desarrumação, são acompanhados por leituras, debates, performances, reflexões sobre escrita, oratura, autoria, produção de conhecimento, circulação, apropriação de saberes e, claro, sobre o próprio conceito de biblioteca e seus conflitos.
Na ausência de bibliotecas formais e da escrita, o raciocínio oral sempre foi capaz, como identificou Mamoussé Diagne, de preservar e de transmitir o saber. A oralidade como prática discursiva, nem sempre valorizada, tem peso na história e na vida de muitas pessoas. Assim, a frase de Amadou Hampâté Bâ — «Quando morre um velho é uma biblioteca que queima» — continua tão verdadeira. Orientada pelo nome Abotcha, que, na língua balanta significa «no chão/na terra», Bibliotera pretende ilustrar modos não verticais de leituras e de reunir livros, enquanto raízes que comunicam e provocam associações espontâneas.
As palavras desenham as mais fantásticas e despidas ideias, os livros abrem mundos, as bibliotecas são máquinas que dobram o tempo, atravessando épocas e futuros alternativos. Dobram o espaço, transferindo-nos para outras culturas ou para o mais íntimo de nós. Dobram os sonhos, tornando-nos mediúnicos de pensamentos alheios e escrutinadores de infinitas realidades. As bibliotecas são máquinas animistas que nos permitem falar com os mortos e sorver a sua sabedoria.
Bibliotera é uma biblioteca sem espartilhos, de partilha e de atenção.
Filipa, Marta, Marinho