Lygia Pape
Ttéia 1B (redonda), 1976–2000
Fio dourado, tachas douradas
Coleção Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto. Aquisição em 2006
Lygia Carvalho Pape (Nova Friburgo, Rio de Janeiro, 1927 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004). Gravadora, escultora, pintora, diretora de cinema, designer e docente. Integra dois dos principais movimentos brasileiros de renovação do cânone construtivo europeu. Sua obra é pautada pela liberdade com que experimenta e manipula as diversas linguagens e formatos, incorporando o espectador como agente.
No início dos anos 1950, participa da formação do Grupo Frente com artistas como Ivan Serpa (1923-1973), Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988) e o austríaco Franz Weissmann (1911-2005). Nesse período, Lygia Pape trabalha sobretudo no registro da abstração geométrica, elaborando trabalhos com base na articulação de um rigoroso vocabulário concretista, interesses latentes em sua série de pinturas Jogos Vetoriais (1954-1956), que apresentam um jogo dinâmico entre linhas, quadrados e retângulos pintados sobre madeira. Em sua série de relevos Jogos Matemáticos (1954-1956), Pape adota o uso de tinta automotiva sobre madeira, evidenciando percepções de profundidade e cromaticidade de formas regulares ordenadas.
Única gravadora que integra o grupo Frente, sua série Tecelares (1955-1959), xilogravuras de tiragem única, é composta de rigorosas linhas concretistas, que contrastam com a naturalidade fluida dos veios e poros da madeira que permeiam a construção da forma. Com o domínio da técnica, Pape estabelece relações de ritmo abrindo espaço a fios e superfícies, que se relacionam e criam estruturas ambivalentes, o que já indica uma relação de contraste entre linha e luminosidade que se desenvolve a partir de outros suportes ao longo de sua obra.
Em 1958, Lygia Pape concebe com o poeta Reynaldo Jardim (1926-2011) o Balé Neoconcreto I, apresentado no Teatro Copacabana, materializando o poema “Olho-Alvo” por meio da articulação de sólidos geométricos, cores, movimento, som e luz. No ano seguinte, acentua-se a participação do público em seu trabalho, e a artista publica O Livro da Criação (1959), que alude à gênese do mundo e à postura ativa do participante. O livro é composto de 16 “páginas” quadradas de 30 cm em diversas cores, formas e recortes, que, manuseadas pelo espectador/leitor, saem do plano e constroem-se no espaço, desencadeando sua própria criação.
No mesmo ano, Pape abandona o Grupo Frente e assina o Manifesto Neoconcreto com Reynaldo Jardim, o poeta Ferreira Gullar (1930-2016), o crítico turco Theon Spanudis (1915-1986), o escultor Amílcar de Castro (1920-2002), Franz Weissmann e Lygia Clark.
Na década de 1960, Lygia Pape colabora com o cinema novo, fazendo a programação visual e cartazes de filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha (1939-1981), e Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018). Inicia sua produção como diretora de cinema, realizando diversos filmes entre 1967 e 1976.
Pape intensifica a experimentação sensorial e participativa por meio de obras como Ovo (1967), em que cubos de madeira são envolvidos em papel ou plástico colorido, muito fino, que deve ser rompido pelas pessoas para que tenham a sensação de nascimento; Divisor (1968), trabalho em que uma multidão preenche um pano de 20 x 20 m, colocando a cabeça nas várias aberturas existentes; e Roda dos Prazeres (1968), na qual são oferecidos ao público líquidos com sabores diversos relacionados a cores diferentes.
As obras conhecidas pelo nome de Ttéia adotam diversas concretizações de 1977 até 2000. São instalações construídas pela disposição geométrica de fios tensionados verticalmente, que delineiam volumes e riscam linhas quase invisíveis, produzindo um forte impacto pela discreta delicadeza de sua disposição no ambiente. Conforme o deslocamento do espectador e da materialidade do fio (cobre, prata ou nylon transparente), os reflexos da luz variante capturam, ocupam e reinventam os espaços existentes.
Sua instalação Ttéia 1C (2002) consiste em 13 colunas de fios geometricamente instalados do teto ao chão, compostos de 5.542 metros de fios e de 1.848 pregos de latão. O trabalho integra a exposição Making Worlds, da 53ª Bienal de Veneza, onde recebe menção honrosa e, desde 2012, pertence ao Instituto Inhotim, integrando a Galeria Lygia Pape, um pavilhão que ocupa uma área de 441 m2 dedicados à obra da artista.
Bacharel em filosofia e voltada para as discussões vinculadas à cultura e as identidades nacionais, Pape torna-se mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a dissertação Catiti catiti na terra dos brasis (1980). Leciona no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) de 1968 a 1970; na Escola de Artes Visuais do Parque Lage de 1976 a 1977; na Faculdade de Arquitetura Santa Úrsula de 1973 a 1989; e na Escola de Belas Artes da UFRJ de 1982 a 2004.
Em 2004, é fundada a Associação Cultural Projeto Lygia Pape, idealizada pela própria artista e dirigida por sua filha, a fotógrafa Paula Pape (1958). Em sua trajetória destaca-se a retrospectiva Espaços Imantados (2011/2012), apresentada no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, na Serpentine Gallery, em Londres, e na Pinacoteca de São Paulo.
Marcada pela experimentação e pela mutação, a obra de Lygia Pape propõe uma integração das esferas estética, ética e política, que fazem dela uma das mais importantes artistas brasileiras da contemporaneidade.